Diferença entre Alergia e Intolerância Alimentar em Gêmeos: Como Saber o Que é o Quê?

Quando se trata da alimentação infantil, identificar reações adversas a determinados alimentos pode ser um verdadeiro desafio. Será que é alergia? Ou seria apenas uma intolerância alimentar? Apesar de muitas vezes confundidos, esses dois quadros têm causas, mecanismos e manejos bastante diferentes, e entender essas diferenças é essencial para garantir a saúde e o bem-estar das crianças.

No caso de gêmeos, o desafio pode ser ainda maior: por compartilharem a mesma idade, ambiente e, muitas vezes, a alimentação, pode parecer que ambos deveriam reagir da mesma forma a certos alimentos — o que nem sempre acontece. Continue a leitura e entenda as principais diferenças entre alergia e intolerância alimentar, com foco especial em gêmeos, e veja minhas orientações para ajudar pais e cuidadores a identificar corretamente os sinais e buscar o acompanhamento adequado.

O Que é Alergia Alimentar?

A alergia alimentar é uma reação do sistema imunológico a uma proteína específica de um alimento, percebida como uma ameaça pelo corpo. Segundo Sicherer e Sampson (2018), ela afeta cerca de 6 a 8% das crianças, sendo mais comum em idades precoces (ou seja, mais no início da vida da criança). Os sintomas podem variar de leves, como coceira e erupções cutâneas, a graves, como anafilaxia (reação alérgica grave e rápida, que pode acontecer minutos após o contato com um alimento ou outra substância que a pessoa é alérgica. Os sintomas vão além da pele, podendo afetar a respiração, a pressão arterial e até levar à perda de consciência). Essa é uma emergência médica e precisa de atendimento imediato, para evitar riscos de morte.

A alergia é mediada por imunoglobulinas E (IgE) em cerca de 60% dos casos, o que leva a reações rápidas, ou por mecanismos não-IgE, com sintomas mais tardios, como diarreia crônica (Boyce et al., 2010).

Um termo importante a se conhecer também é “alérgenos” – no caso das alergias alimentares, são proteínas presentes nos alimentos (como leite, ovo, amendoim, trigo, soja, peixe, crustáceos e castanhas) que o corpo identifica, de forma equivocada, como perigosas, desencadeando uma reação do sistema imunológico.

O Que é Intolerância Alimentar?

Já a intolerância alimentar não envolve o sistema imunológico, mas sim uma dificuldade do organismo em digerir ou metabolizar certos componentes dos alimentos. O exemplo clássico é a intolerância à lactose, causada pela deficiência da enzima lactase, que afeta cerca de 65% da população mundial em algum grau após a infância (Misselwitz et al., 2019). Os sintomas são geralmente gastrointestinais – inchaço, gases, diarreia – e, ao contrário da alergia, não há risco de morte.

Atendi recentemente uma mãe e suas gêmeas de 3 anos e 7 meses, e o relato inicial era que ela percebia que as meninas ficavam desconfortáveis após consumir leite e derivados (como requeijão, iogurte, muçarela, etc.), mas sem sinais de alergia, como erupções cutâneas. Testes confirmaram intolerância à lactose, e ajustar a dieta delas foi um alívio – tanto para as crianças quanto para a família, que já estavam exaustos de tentar entender o que estava acontecendo!

Diferenças Chave: Imunidade x Digestão

A principal diferença entre alergia e intolerância está no mecanismo. A alergia é uma resposta imunológica, enquanto a intolerância é um problema metabólico ou enzimático. Um estudo no Journal of Allergy and Clinical Immunology (Savage & Johns, 2015) destaca que alergias podem ser detectadas por testes como prick test ou dosagem de IgE específica, enquanto intolerâncias, como à lactose, podem ser confirmadas por testes de hidrogênio expirado ou exclusão alimentar (além de exame de sangue, por exemplo).

Outra distinção é a gravidade. Alergias podem ser fatais – cerca de 30% das crianças com alergia alimentar têm risco de anafilaxia (Gupta et al., 2019). Intolerâncias, por outro lado, causam desconforto, mas não ameaçam a vida. Em gêmeos, essas diferenças podem aparecer de formas distintas, mesmo que sejam idênticos, já que fatores ambientais e epigenéticos influenciam a expressão de alergias e intolerâncias.

Informação importante: epigenéticos são fatores que regulam a forma como os nossos genes se expressam, sem mudar o DNA em si. Eles podem ser influenciados por ambiente, alimentação, estresse e até pela exposição na gestação. Ou seja, mesmo gêmeos com o mesmo DNA podem reagir de formas diferentes por causa dessas influências epigenéticas.

Gêmeos e a Complexidade do Diagnóstico

Gêmeos trazem um desafio extra: será que ambos terão o mesmo problema? Gêmeos idênticos (monozigóticos) compartilham 100% do DNA, mas estudos mostram que a concordância para alergias alimentares é de apenas 64%, sugerindo que o ambiente – como dieta ou exposição a alérgenos – também importa (Ullemar et al., 2018). Em gêmeos fraternos (dizigóticos), a chance é ainda menor, cerca de 10 a 20%, o que explica por que um(a) gêmeo(a) tem alergia (por exemplo, alergia à proteína do leite de vaca – APLV) e o(a) outro(a), intolerância à lactose.

Como Identificar: Sinais e Testes

Identificar se é alergia ou intolerância exige atenção aos sinais e ajuda profissional. Aqui estão os principais indicadores:

  • Alergia Alimentar: Sintomas aparecem rápido (minutos a horas) após o consumo. Urticária, inchaço (da língua, orelha, etc.), dificuldade para respirar ou vômitos são comuns. Em casos graves, procure um médico imediatamente.
  • Intolerância Alimentar: Sintomas são mais lentos (horas ou dias) e restritos ao trato digestivo – dor abdominal, gases, diarreia (quando há três ou mais evacuações líquidas ou amolecidas em 24 horas).

Para confirmar, o pediatra ou alergologista é essencial. Testes como prick test ou IgE específica ajudam nas alergias, enquanto intolerâncias podem ser avaliadas por exclusão alimentar supervisionada ou testes sanguíneos específicos, como o de lactose.

Como nutricionista, sempre reforço: não tento diagnosticar sozinha. A Resolução CFN nº 600/2018 deixa claro que a prescrição alimentar é minha responsabilidade, mas o diagnóstico inicial depende do médico. Assim, como ele depende que a alimentação da criança seja ajustada para melhora da intolerância ou da alergia, eu preciso do diagnóstico médico da situação (para montagem do plano alimentar, orientações nutricionais e acompanhamento nutricional como um todo).

O Papel do Time: Pediatra, Alergologista e Nutricionista

Como você viu acima, o manejo de alergias e intolerâncias alimentares (seja em uma criança ou em gêmeos) é um trabalho em equipe. O pediatra alergologista diagnostica e monitora os riscos, como a chance de reações graves, enquanto eu, como nutricionista, planejo a dieta para garantir segurança e nutrição adequada.

Um estudo no Pediatric Allergy and Immunology (2020) mostra que essa colaboração reduz em 40% os episódios de exposição acidental a alérgenos. Olha só a importância!

Dicas Práticas para o Dia a Dia

Gerenciar alergia e intolerância em gêmeos exige muita organização. Aqui vão algumas estratégias que irão te ajudar em casa:

  1. Cardápios Personalizados, Mas Práticos: Planeje refeições que atendam às duas crianças. Por exemplo, gêmeas de 4 anos: se uma criança tem APLV e outra intolerância à lactose, faça um arroz doce de bebida vegetal (ex: leite de arroz) com leite de coco, para consumir em um lanche da tarde. Assim, como não tem leite nem lactose, servirá para ambas, diminuindo o trabalho (de fazer duas preparações: uma sem leite, com bebida vegetal para a alérgica; e outra usando leite sem lactose para a intolerante).
  2. Leitura de Rótulos: A Anvisa exige destaque de alérgenos, mas traços ocultos são um risco. Um estudo no Food Control (2019) alerta para contaminação cruzada em até 30% dos produtos. Leia tudo e entre em contato com o SAC dos produtos que deseja oferecer!
  3. Cozinha Segura: Use utensílios separados para evitar confusão. A tábua rosa é da alérgica; a verde, da intolerante. As crianças até sabem quais são seus e quais do(a) irmão(ã), criando certa independência.
  4. Envolver as Crianças: Desde pequenas, ensine-as sobre seus limites. Lembra aquela mãe a as filhas de 3 anos que atendi? Elas já sabem dizer “só posso comer se for sem lactose, por favor” em festas. É um orgulho da mãe!
  5. Alternativas Nutritivas: Usando o mesmo exemplo de uma criança com APLV e outra intolerante – para uma criança alérgica ao leite, inclua cálcio via brócolis e bebidas fortificadas. Para a intolerante, iogurte e leite sem lactose. Se ambas tiverem as mesmas alergias ou intolerâncias, fica mais fácil ainda, e menos “confuso”. A Academy of Nutrition and Dietetics (2016) reforça que exclusões não devem comprometer nutrientes, e fazendo essas substituições, garante o chamado “aporte nutricional” adequado.

O Lado Humano: Vivendo com as Diferenças

Nem tudo é ciência – tem muito coração envolvido. Um pai me disse que chorou vendo uma das filhas gêmeas recusar bolo em um aniversário (por saber que tinha leite, como a maior parte das receitas de bolo possuem), enquanto uma outra mãe me disse que nem sempre tem condições de comprar sorvete sem lactose, doces, etc. (afinal, esses itens costumam ser mais caros que as versões tradicionais). Mas também, já ouvi pequenas vitórias, como quando dois pacientes meus (com 7 anos, com APLV e celíacos) me contaram numa consulta que ajudaram a fazer biscoitos caseiros sem glúten e leite, e que ficaram rindo muito juntos na cozinha, pois foi divertido.

Como você viu, alergia e intolerância alimentar são condições distintas – uma é imunológica e potencialmente perigosa, a outra é digestiva e desconfortável. Identificá-las exige sinais atentos e apoio médico, enquanto o manejo da alimentação depende de um nutricionista para garantir segurança e equilíbrio na oferta dos nutrientes. Como mãe de gêmeas, sei que o caminho pode ser confuso (ainda mais se cada criança tiver uma restrição alimentar), mas com informação e carinho, transformamos desafios em rotina. Se você passa por isso, confie na ciência, no time de profissionais que atendem vocês e no seu instinto – seus(uas) gêmeos(as) vão crescer saudáveis e felizes, cada um(a) do seu jeito único.

Leia também: Alimentação Segura para Gêmeos com Alergias: Dicas Práticas para o Dia a Dia

Referências:

  • Sicherer, S. H., & Sampson, H. A. (2018). Journal of Allergy and Clinical Immunology, 141(1), 41-58.
  • Boyce, J. A., et al. (2010). Journal of Allergy and Clinical Immunology, 126(6), S1-S58.
  • Misselwitz, B., et al. (2019). Current Opinion in Gastroenterology, 35(6), 491-497.
  • Savage, J., & Johns, C. B. (2015). Journal of Allergy and Clinical Immunology, 135(2), 312-320.
  • Gupta, R. S., et al. (2019). JAMA Network Open, 2(1), e185630.
  • Ullemar, V., et al. (2018). Allergy, 73(5), 1042-1050.
  • Academy of Nutrition and Dietetics. (2016). Position Paper on Food Allergies.

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